“O salto qualificativo do Brasil passa pela educação”, afirma coordenador do curso de Filosofia Assessoria de Comunicação (ASSECOM)
22/06/2017

A educação é uma atividade complexa que deve ser compartilhada entre família, escola, universidade e instâncias sociais. Os objetivos educacionais são múltiplos e podem ser sintetizados nos quatro pilares apontados pela Unesco para a educação no século XXI: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a conviver. Confira uma entrevista com o professor do curso de Filosofia e do Mestrado em Ensino de Humanidades e Linguagens do Centro Universitário Franciscano, Marcos Alexandre Alves, que debate sobre a valorização da profissão docente e o novo ensino médio.

Jornal do Centro – Como o senhor percebe o cenário da educação diante da possibilidade de transformação que o tema é capaz de proporcionar? Defendo a qualificação da educação básica que, por sua vez, implica na mudança de postura pessoal e científica dos professores. Diante disso, existe a urgente necessidade de se criar uma cultura colaborativa entre os docentes em prol da educação, extrapolando paradigmas curriculares, com incentivo ao uso de recursos tecnológicos, com constante qualificação e valorização dos gestores e docentes. Disto depende o salto qualificativo do Brasil para se tornar um país desenvolvido e justo para com seu povo.

Jornal do Centro – Mas como fortalecer a educação básica em paralelo a uma desvalorização das licenciaturas? Precisamos aprimorar o diálogo entre universidade e escola enquanto instituições produtoras de conhecimentos pedagógicos. Nesse sentido é necessário estimular os cursos de licenciatura no ensino superior, revitalizar e inovar proposições dos cursos de licenciatura, incentivando a procurado por candidatos, sugerindo sempre que possível o financiamento à formação de professores, sob pena, em um futuro próximo haver a escassez de docentes em diversas áreas do conhecimento.

Jornal do Centro – O senhor acredita que já há carência de professores em determinadas áreas? Sem dúvida, temos falta de professores em algumas áreas do conhecimento. Contudo, o que me preocupa são as causas reais que fazem um profissional formado, em alguma área, optar por não trabalhar no exercício da profissão docente. A causa desse desvio é a ausência histórica de valorização da educação como bem público. Infelizmente, a educação, em nosso país, nunca foi prioridade.

Jornal do Centro – Mas porque o professor é desvalorizado se todos sabem que ele é fundamental? Na atualidade a desvalorização social e a precarização da profissão docente ganham uma dimensão nunca antes vista na história brasileira. Isso pode ser facilmente percebido na desvalorização salarial, assédio moral, violência física e psíquica, falta de condições de trabalho e relações de emprego frágeis... Além disto, há uma enxurrada de discursos midiáticos e algumas pesquisas tendenciosas que destacam e valorizam, em demasia, determinadas profissões, configurando um tratamento desigual, em que nas diversas esferas da administração pública temos várias carreiras profissionais, com o mesmo nível formativo, melhor remuneradas e prestigiadas. Precisamos melhor a qualidade da oferta dos cursos de formação de professores e valorizar a carreira docente e, acima de tudo, coloca-la em um patamar respeitável e atrativo. Entendo que uma educação de qualidade requer investimentos. Somente uma profissão reconhecida e valorizada vai atrair os jovens para o seu exercício.

Jornal do Centro – Pode-se afirmar, então, que o que falta é priorizar a educação como elemento estratégico para mudanças? A educação de qualidade é o principal instrumento de democratização das chances para o desenvolvimento cultural e a redução das desigualdades sociais. A falta de professores e o desinteresse pelas licenciaturas tem relação direta com a desvalorização e a precarização da profissão docente. Não quero aqui reforçar a ideia de crise para não reproduzir um discurso estigmatizante. Entretanto, penso que se faz urgente a necessidade de ampliação dos espaços de diálogo entre os docentes para a proposição de alternativas e uma análise de conjunto sobre o tema, que demanda o conhecimento do processo de ensino-aprendizagem: vivência de sala de aula, gestão, pesquisa e formação de professores.

Jornal do Centro – A estrutura para capacitação é adequada para que o professor assuma novas demandas conforme as necessidades atuais? Nas últimas décadas foram implementadas uma série de políticas públicas, programas e ações em nível federal, voltadas para apoiar a formação inicial e continuada de professores e valorizar a carreira docente. Nesse processo de reversão da tendência atual de queda na procura pelas licenciaturas e de desvalorização docente, há uma parcela de responsabilidade também dos próprios professores, que precisam urgentemente abandonar um discurso de vitimização, assumir uma atitude de protagonismo profissional, exigir respeito, dignidade e justiça com a profissão e atuar coletivamente em prol de maiores investimentos na educação e na carreira.

Jornal do Centro – A reforma do ensino médio vai responder aos problemas estruturais de nossa educação? No campo da educação há um consenso acerca da necessidade de se qualificar o ensino médio que está agonizante em todos os sentidos. No entanto, uma educação de qualidade não implica somente uma mudança programática, mas sim paradigmática, que envolve a postura, modo de pensar e fazer a educação, tanto dos professores quanto dos alunos. Do contrário, podemos ter o melhor currículo e uma excelente estrutura física que a educação continuará agonizante e, principalmente, desestimulante.

Jornal do Centro – Com a reforma do ensino médio, a responsabilidade, mais uma vez, não fica com o professor? Destaco como ponto positivo, na nova proposta, a questão referente à flexibilização do currículo e o aumento do tempo do aluno na escola, pois o atual modelo educativo não atende aos interesses dos estudantes, do mercado e da sociedade. Contudo, não podemos deixar de esclarecer a diferença entre educação integral (formação ampla e que envolve as diversas dimensões da cultura humana) e escola em tempo integral (mais tempo de presença do aluno neste ambiente). Nesse sentido, penso que os estados e municípios deveriam ter uma maior autonomia e protagonismo para definir, de acordo com as suas próprias exigências, a estrutura da educação.

Jornal do Centro – O que falta, então, é uma questão de foco no que se pretende com ensino médio? Para dar conta da atual demanda na educação, faz-se necessário que a escola e o professor, tornem o processo formativo mais interessante, isto é, que partam do mundo do estudante, não para ficar nele, mas para conduzi-lo ao mundo do conhecimento, da ciência, da cultura e dos valores éticos. Sem dúvida, o ensino precisa ser mais significativo e a educação menos abstrata. Ora, o que se pretende com o ensino médio?

Jornal do Centro – A possibilidade de aprender uma profissão no ensino médio é boa para o Brasil? O ensino médio não tem se constituído como um problema somente no Brasil e, sim, no mundo. Trata-se da dualidade em oferecer uma formação científica que sirva para consolidar as condições necessárias para que o estudante possa se posicionar frente o conhecimento de modo crítico, reflexivo e emancipado; ou oferecer uma qualificação para o mundo do trabalho. Caso optarmos por um ensino profissionalizante, corremos o risco de retirar do estudante a possibilidade de continuar os seus estudos, em nível superior, mas se não o fizermos podemos enfraquecer a mão de obra da nação. Em suma, permanece em aberto a questão: qual a verdadeira intencionalidade do ensino médio?

Jornal do Centro – Fica claro que a atual proposta de ensino médio pode aumentar a desigualdade social brasileira? Sem sobra de dúvida, é possível perceber a estratificação da desigualdade na proposta do novo ensino médio. Os alunos mais pobres, oriundos das classes c/d, que demandam empregabilidade, cada vez mais cedo, tenderão a escolher por um itinerário de formação profissional; enquanto que os estudantes oriundos das classes a/b optarão por um ensino mais propedêutico e de cultura geral, que os prepare para continuar os seus estudos em nível superior. Isto, naturalmente poderá gerar uma desigualdade social e profissional em que alguns indivíduos serão tomadores de decisão e outros serão subordinados.

Jornal do Centro – E qual o impacto desse processo no ensino superior? Penso que o ensino superior pode sofrer um processo de precarização quanto ao seu acesso e aproveitamento. Ou seja, está em jogo não só a minimização das estruturas do ensino médio nas escolas, mas também uma possível precarização do ensino superior. Com isto, poderá ocorre uma desvalorização dos dois níveis de ensino (médio e superior) e a superficialidade do processo formativo em escolas de nível profissional, a ponto de condená-las a apenas formar mão de obra barata para aturem em profissões periféricas. A legislação, hora aprovada e regulamentada, ainda mais por medida provisória, possui um problema estrutural que poderá comprometer a sua efetiva e eficaz implementação, pois desconsiderou por completo o conhecimento e o trabalho pedagógico realizado pelos professores nas escolas.


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